sexta-feira, 17 de março de 2017

FLOR DE MINHA PELE | MICHELI LAVIOLA



A flor de minha pele tem raízes expostas pela minha dor sem sombras.Criou-se a folha transpirante de minhas angústias exaladas para a atmosfera, que fará a mutação em água das chuvas para limpar as feridas teimosas em não cicatrizar.
E, assim, a flor de minha pele se arrepia com a brisa de um hálito refrescante advindo da força divina do amor.
As pétalas caem, enquanto outras nascem nessa minha pele de emoções férteis.
Orvalho suando as minhas pétalas e o meu caule até atingir a terra outrora seca. Por conseguinte, regam-se as minhas raízes fincadas na pele, contagiando os sentidos e regando minhas ilusões cutâneas.

 


terça-feira, 14 de março de 2017

SENTIMENTO FELINO | MICHELI LAVIOLA




     Meu gato espreguiçou- se, como de costume, no horário da novela. Provavelmente seria um programa sem fundamento para qualquer gatinho de três meses de idade. Aparentava uma sincronia entre um espreguiçamento felino e a fala da  personagem histérica. Servia-se de grande incentivadora de sonos do meu gato que contagiavam meus olhos e um bocejar incessante. Partia- se daqui o nado sincronizado do espreguiçamento felino,  de minha briga contra o cerramento dos olhos e dos bocejos constantes.

   Um olhar, mais atento ao trabalho de teia das aranhas, demonstrava a curiosidade  do filhote  em descobrir como um fio entrelaça- se com o outro, formando-se uma armadilha para os insetos que fossem invadir o território aracnídeo que se encontrava no canto superior à direita da parede.  Um local de difícil acesso às vassouras na remoção da obra de arte.
  Ainda alimentava- se com seu leite entregue carinhosamente por sua dona de rosto acinzentado.  Sua comida era acinzentada. A teia e a aranha eram acinzentadas. A atriz irritante da televisão também era acinzentada. Um mundo acinzentado.
  Mesmo tudo cinza,  abraçava- se à pantufa de coelhinho como se fosse um familiar que já não via há muito tempo.  Era um  abraço interminável até que dessem um petisco ou leite para se distrair e desistir de seu parente no enforcamento do abraço quase infinito. 
     Ele já ouviu ruídos semelhantes aos seus durante à noite. Parecia um chamado a uma vida nova e diferente daquelas paredes. Não há como os humanos entenderem a linguagem felina. Esta é tão misteriosa quanto o nosso linguajar para os bichanos. Não  compreendemos a comunicação de seus ruídos amorosos, de luta ou de ambos, embora possam extrair o sentimento advindo de uma frase ou de um olhar que dermos a eles.
    A simplicidade disso se perdeu da humanidade.  Entoamos nossa própria voz sem extrair o sentimento de um gesto ou de uma palavra do nosso semelhante.  Fatos são mais interessantes,  pois estão esvaziados de emoção. Não se analisam os fatos em várias dimensões,  mas, sim, na única dimensão de quem deseja ser único sem fazer com que o outro se sinta, algum dia, único também.

quarta-feira, 8 de março de 2017

NOSSAS MEMÓRIAS | MICHELI LAVIOLA


   Solicitei as memórias das mulheres que me precederam para reafirmar a minha consciência. Travei uma luta entre minha compreensão e o que me foi doutrinada. A moldagem foi apertando meus pensamentos que cresciam rapidamente com o passar dos anos.  Eles inflaram! Não quiseram retornar ao seu status quo. A fertilidade das ideias sustentadas por uma série de mulheres fez germinar as minhas próprias ideias. Essa luta nunca foi apenas minha. Mulheres, em suas respectivas épocas, criaram suas formas de combater as injustiças a que eram submetidas.
     Sempre houve resistência por menor que fosse! A história, entretanto, não faz tanta questão em difundir a realidade como um todo. Há parcialidade na verdade contada. Histórias são contadas da forma como convém uma sociedade machista e que tem medo de perder a sua masculinidade por admitir que uma mulher fez algo melhor do que muitos homens.  Isso lhe lembra algo, caro leitor?
   As memórias femininas foram massacradas pela história dos livros com poucas páginas e breves citações. Estamos paralisadas na memória atual. Quem irá contar a nossa história de luta? Somos mais fortes do que possamos imaginar. Reunir nossa memória é reunir a nossa própria consciência! Somos mais do que corpos para entreter o público masculino! Somos a singularidade em tudo o que acreditarmos e fizermos!!

terça-feira, 7 de março de 2017

REFLEXÕES FEMININAS | MICHELI LAVIOLA



             

Até meus quinze ou dezesseis anos de idade, acreditava que a vida era orquestrada por uma cadeia de ideias como nascer, crescer, estudar, formar-se na universidade, trabalhar, constituir família, encontrando o homem idealizado. E ponto final!
     Os garranchos das letras da vida demonstraram o quanto que essa ordem utópica não passava de arquétipos transferidos pela família, amigos e religião. Alguns fatos ocorreram comigo: nasci, cresci, estudei, concluí a graduação em Direito, trabalhei...
     Quanto a conhecer o homem perfeito, ainda este reside no mundo das ideias de Platão. Pode ser que algum dia ele venha em um carro branco popular, mas ainda está vagando nesse mundo nada perfeito ou ainda irá nascer. Outra hipótese é de ele nunca existir. Seria o fim dos meus projetos da adolescência?! Projetos internalizados por uma sociedade que orienta ser a mulher o centro de tudo, todavia esta não pode agir por diversas vezes com medo de ser massacrada pela opinião pública. Uns diriam: - Mulher precisa estar em casa com os filhos, mas precisa trabalhar desde que não seja trabalho que requer uma concentração e/ou dedicação maior, pois não poderia estar presente na educação dos filhos.
   Todas as profissões passaram por momentos delicados quando uma mulher ousava querer exercê-las. Mulheres machistas já existiam muito antes do nascimento de minha avó. Ditar regras de como se vestir, como se sentar, como falar, como olhar e, o mais importante: como pensar. Seriam essas mulheres as semeadoras do machismo desenfreado em muitos homens? Talvez sim. Acredito que temos o poder de modificar muitas coisas, inclusive em educar as nossas filhas e, principalmente, os nossos filhos que farão parte do clã dos homens.
   Retornando à questão da ditadura machista imposta às mulheres, a história demonstrou o quanto a mulher era tratada como objeto. Isso parece permanecer no mundo atual a partir de movimentos na música dita “popular” como o funk brasileiro, entre outros gêneros musicais de gosto duvidoso. As pessoas se entregam à batida da música e se esquecem da letra que é a transmissora de uma ideia, de uma cultura...
      Eu continuo estudando, envelhecendo, pensando ... Tudo o que vier depois será uma mera consequência da vida e não uma imposição da sociedade. Penso, logo existo, vivo, crio, reinvento, sou mulher de fibra, sou a minha única originalidade sem pirataria!



sexta-feira, 3 de março de 2017

POR UMA MÚSICA | MICHELI LAVIOLA



O salão estava cheio com senhoras e senhores da mais alta sociedade carioca. Uma mulher de cabelos ondulados e negros, de pele alva e olhos iluminados pelo azul do céu olhava a tudo a seu redor, mas a mente tem aquelas artimanhas de transcender o corpo e ir aonde quiser. A mente dela estava na adolescência quando aprendia violino com a sua avó no salão de música. Caro leitor, você precisava ver o quanto a avó era elegante em seus 40 anos de idade. Era formosa, com roupas francesas e sapatos italianos: heranças da época em que era uma musicista reconhecida internacionalmente. Era uma passada de tons e músicas com o aprendizado de tango Por una Cabeza, de Gardel. A sonoridade da canção com os passos eram um casamento perfeito. O sorriso da mestra ensinando a sua pupila era um apaziguador de almas ao mesmo tempo que entregava a paixão às artes.  A neta não pôde ver a sua avó mais vezes. Acidentes além do palco sufocaram a música e os sonhos da jovem.
    Retornando ao salão de festas, a mulher, que estava embriagada com a mesma música que tocara com sua avó, acariciou um violino deixado em uma mesa. Parecia um magnetismo. A mulher acariciou-o novamente como se pedisse licença ao instrumento. Tocou a canção de Gardel e dançava juntamente como se não existisse mais nada do que aquele momento. Passos nasceram com a música. Lágrimas banharam seu rosto e sua alma como se libertasse de sua dor. Dançava pelo salão. Subia a mesa dançando e tocando, criando-se um laço entre seus expectadores e a arte. A plateia não conseguia conversar. As palavras sumiram. A música falou por todos daquele salão. Após o último acorde e passo de dança, a alma da mulher estava curada! 

quarta-feira, 1 de março de 2017

TRADUÇÃO | MICHELI LAVIOLA



Segui o meu destino com a ponta do lápis sendo a espada de minha língua. Houve a tradução da consciência para a grafia em uma simbologia diferente, com caracteres próprios do meu ser sem cópia. Vivi escondida de mim. Não queria me ver. Até que, em um relance casual, vi minhas palavras perdidas na gaveta poída pelo tempo. Li minhas sobras em cada linha. Eu vi uma parte de mim. É possível se ver totalmente? Difícil questão. Ser ou não ser ou um pouco de cada? Eis a dúvida! Juntei aquelas sobras. Montei cada pedacinho e fui construindo um ser de bom trato, com sorriso maroto e cheio de ternura. Pude ver a parte que estava amassada no papel onde se encontravam minhas palavras antes perdidas e agora relembradas. Seria bom se pudéssemos achar uma gaveta poída com pedaços de nossas almas por aí...