segunda-feira, 12 de junho de 2017

Voar |Micheli Laviola



O coração sintonizava-se com os passos apressados por entre os corredores, que modificavam de paisagem como uma lembrança que vai e volta. Naquele momento, o odor do ódio, do desespero  misturava-se em meio ao chão sujo e fétido da penitenciária de Louzada, no Espírito Santo.  Trinta e dois anos antes estava em um corredor com odor de hospital que Eliza não apreciava por indicar a espera de um milagre.

Os corredores se entrelaçavam como uma costura de retalhos sem uma uniformidade, mas com algumas cores de mesma tonalidade. As dores tinham esse tom. Como ela queria que fosse um hospital! Entretanto, a sorte era indecisa, de mau comportamento. E os passos se seguiam cada um deles tinha seu ritmo de marcha fúnebre. Rostos por entre as celas olhavam-na absortos, querendo ajuda, libido, sangue... as energias daqueles rostos pesavam as costas de Eliza. Cada cela, cada batida ia mais devagar... ao ponto de um coração conseguir sobreviver quase natimorto. Suor frio, mãos trêmulas, voz contida.

Sentiu algo semelhante naquele corredor do hospital aos oito anos de idade. Era seu pai que estava acamado, sem vida aparente. Sofreu um derrame. Ainda conseguiu que ele balbuciasse as palavras “meu passarinho” ... era assim que a chamava ... Ao olhar a janela, viu as estrelas. Ele ainda conseguiu dizer : voe até elas, meu passarinho...

E o suspiro da noite levou o oxigênio dos pulmões de seu pai.

Na penitenciária, ela viu seu filho preso na gaiola. Sentiu a vontade de libertá-lo, contudo se lembrou de que não era possível. O menino de dezoito anos estava magro, sem alma, enclausurado em outro tipo de aprisionamento: a dependência química. Não adiantaria libertá-lo da cadeia física, das paredes, das grades... esse passarinho não quer voar para as estrelas... e isso levou o oxigênio dos pulmões de sua mãe...