segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Voz/ M.L.


Pincei cada letra do amontoado de palavras
Encarceradas pelo dicionário.
Comi suas sensações ao formar uma palavra em minha boca.

Ardeu com fúria a voz da liberdade
Rasgando minha garganta e
Emergindo para o mundo.

Assim nascem os pensamentos.
Finalmente, tornam-se seres de alma
Que não se podem encarcerar em ventres de censura.

Não se pode encarcerar aquilo que é imortal.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Poesia/M.L.



    

Poesia penetra nos ouvidos do amor com palavras cantadas extremando a sonoridade dos tímpanos do sentimento puro.  Sensibiliza o toque das mãos que afagam o coração. Diminui as dores do corpo levando ao momento da dormência e alcançando o êxtase da alma. Refinado seja teu espírito para abrir as mentes no Vale da ignorância, dos preconceitos e da violência desmedidos. Poesia, um reflexo da esperança no mundo!  Olhe-a com carinho, ouça- a com paciência,  traga-a ao seu amor dentro de si. M.L.


domingo, 27 de agosto de 2017

Sentidos| Micheli Laviola



Fui precursora de mim mesma.  Iniciei um traço de minha personalidade em meus olhos castanhos escuros jabuticabanos.  Eram tão penetrantes que senti meu corpo entorpecido por eles. Minha pesquisa continuou nesses dois círculos oculares.  Vi pedaços de meu passado. Alguns tinham o odor de leite fervendo, derramando-se pelo fogão  e minha mãe tentando alcançá -lo em vão.  Outras vezes a voz do rádio emitindo os grunhidos de um aspirante a cantor. Os castanhos de meus olhos iniciavam meu passado como um mundo que não parava de se contorcer em si mesmo. O mundo era o mesmo. As palavras, as mesmas.  Sonhos eternos.  Até que os castanhos ficaram mais claros com a luz da manhã que ousava se refletir neles. Veio o futuro possível com um sol nascendo de dentro do ventre marinho . Havia uma liberdade em ser qualquer coisa e em qualquer tempo.  Vida em minha carne .  Quando a luz do dia havia se apagado dando lugar à densidade da noite,  o presente surgiu por entre frestas do meu castanho.  E percebi que estava respirando e pronta para alcançar o nascimento do meu sol futuro.

Correnteza| Micheli Laviola


Não tenho mais forças pra caminhar contra essa correnteza que me leva às areias flamejantes. Queria continuar caminhando por entre as águas frias, tentando chegar ao clímax do congelamento corporal e perpetuando meu corpo a uma vida jovem. Eu pertenceria ao mar e, ele, a mim. Sem medos, sem receios. Faria parte da natureza, mas o teimoso do mar insiste que eu queime pelas areias de um deserto de almas. Quer que minha pele envelheça e eu suma por entre o horizonte das dunas. Ali meu corpo lateja em sofrimento.  Ali meu corpo não é jovem. Faria parte de nada. O mar insiste que eu fique nas areias cortantes. Meus pés doem. Tentam procurar um lastro de água beijada na areia. Aliviam-se as dores.  Fico olhando o mar como uma fantasia inalcançada. Uma criança iria embora  pela impaciência inerente à infância,  entretanto finquei minhas raízes naquele limbo entre as águas e a areia. Era como se esperasse meu momento chegar e ser eterna e vívida como o mar, navegando por entre suas ondas em liberdade nascida com o mundo.
Micheli Laviola.

domingo, 16 de julho de 2017

Passagem| Micheli Laviola



Os deuses vagavam por cada estrela. Tinham o privilégio das escadas que atravessavam cada ponta estelar brilhante. Sabiam a rota que deveriam traçar em busca de uma nova passagem para outros mundos. A caminhada durava duas luas, dois sóis e um eclipse solar. Para os deuses, era rápido. Como se passassem duas ou três horas terráqueas. Às vezes dormiam com a chuva de meteoros ao fundo da paisagem. Descansavam em alguma estrela robusta e admiravam a “manada” de estrelas cadentes. Um deles observava-as e cogitou em fazer um pedido. Pedido a quem? Ele era um deus. Seria contraditório imitar a humanidade em suas insignificantes esperanças. Lembrou-se que a caminhada deveria continuar. Já não se lembrava o porquê da jornada. Era tudo tão belo que não conseguia ouvir os gritos vindos daquele planeta azul. Talvez porque os gritos não se propaguem pelo universo. Não existe ar, nem fé.


segunda-feira, 12 de junho de 2017

Voar |Micheli Laviola



O coração sintonizava-se com os passos apressados por entre os corredores, que modificavam de paisagem como uma lembrança que vai e volta. Naquele momento, o odor do ódio, do desespero  misturava-se em meio ao chão sujo e fétido da penitenciária de Louzada, no Espírito Santo.  Trinta e dois anos antes estava em um corredor com odor de hospital que Eliza não apreciava por indicar a espera de um milagre.

Os corredores se entrelaçavam como uma costura de retalhos sem uma uniformidade, mas com algumas cores de mesma tonalidade. As dores tinham esse tom. Como ela queria que fosse um hospital! Entretanto, a sorte era indecisa, de mau comportamento. E os passos se seguiam cada um deles tinha seu ritmo de marcha fúnebre. Rostos por entre as celas olhavam-na absortos, querendo ajuda, libido, sangue... as energias daqueles rostos pesavam as costas de Eliza. Cada cela, cada batida ia mais devagar... ao ponto de um coração conseguir sobreviver quase natimorto. Suor frio, mãos trêmulas, voz contida.

Sentiu algo semelhante naquele corredor do hospital aos oito anos de idade. Era seu pai que estava acamado, sem vida aparente. Sofreu um derrame. Ainda conseguiu que ele balbuciasse as palavras “meu passarinho” ... era assim que a chamava ... Ao olhar a janela, viu as estrelas. Ele ainda conseguiu dizer : voe até elas, meu passarinho...

E o suspiro da noite levou o oxigênio dos pulmões de seu pai.

Na penitenciária, ela viu seu filho preso na gaiola. Sentiu a vontade de libertá-lo, contudo se lembrou de que não era possível. O menino de dezoito anos estava magro, sem alma, enclausurado em outro tipo de aprisionamento: a dependência química. Não adiantaria libertá-lo da cadeia física, das paredes, das grades... esse passarinho não quer voar para as estrelas... e isso levou o oxigênio dos pulmões de sua mãe...

sábado, 27 de maio de 2017

ÍRIS| MICHELI LAVIOLA



O céu predizia bons ventos naquela primavera de 2016. Havia pássaros que rodeavam por toda a parte com plumagens exuberantes colorindo o céu de íris azul. Esse cenário refletia-se na íris de Luna, assim como os raios solares iluminam a lua. A paisagem fixada na lente ocular de Luna era uma fotografia com vida, repetindo-se o caminhar das nuvens e dos pássaros, embora não fossem as mesmas nuvens e nem os mesmos pássaros. A estática do olhar impedia a diferenciação. Luna se sentia naquele espaço junto com os ares inspiradores da liberdade sem medida, liberdade que não se classifica em dicionários no mundo dos animais silvestres.  O voo era uníssono com o bando de araras azuis. Animais tão raros. Ela se sentiu rara. Ela fazia parte de algo. O oxigênio era escasso nessas alturas. Luna sentiu a escassez do oxigênio. Aqui percebeu que não era um pássaro e retornou a sua contemplação ocular. A imagem do céu refletia no castanho imerso de Luna. O olhar vagarosamente inclinava aos lados e via crianças brincando com a terra úmida. Risadas eram envolvidas em meio àquela sensação de alegria com cheiro de terra molhada. Uma vertigem percorreu o corpo de Luna e tudo se confundia. As crianças sumiram com a poeira levantada por uma ventania, trazendo bolo de fubá com café quentinho de sua madrinha Sinhá. A sensação do doce na boca gerava uma endorfina pela pulsação sanguínea de Luna. Ela abria a boca tentando morder o pedaço de bolo, enquanto as águas da chuva alimentavam a sensação. O pai entrava pela sala ralhando com a menina dizendo que não era a hora de comer bolo. O bolo era somente após o almoço. O jornal era mais estático que o céu. As mãos retorciam o jornal em busca de respostas. Palavras soltas sobre baixa na Bolsa de Valores eram intensas, incompreensíveis e insistentes. Não se falava em outra coisa sendo trovões que se refletiam no céu. Dores de cabeça eram intensas, incompreensíveis e insistentes. Nada acalmava as enxaquecas lunares naquela noite. Estava tão escuro o céu quanto a mente de Luna. Confusões e mais confusões. As estrelas pareciam dizer que havia esperança. E da esperança nasceu o dia que resolveu viajar em busca de respostas para suas dúvidas, em busca de conhecimento para sua vida. Dizem que basta ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro.  Luna se lembrou do bonsai que plantou (embora seja um tipo de miniatura de árvore e não desmerecendo o retorno de bons fluidos por aquilo que faz de forma proporcional ao tamanho do espécime). Filhos, não teve tempo de tê-los. Livro era como se fosse dois itens em um: filho e o livro propriamente dito. As lembranças, brilhantes como aquela estrela que insistia em brilhar mais do que todas, das pessoas com que teve os ensinamentos sobre a divindade traziam um aspecto de tranquilidade sobrenatural. O que é a divindade? Um monge, em um desses lugares aparentemente esquecidos pela humanidade, demonstrou que o divino mora em todas as coisas e em toda a humanidade. Luna pensou: - Logo eu?! Uma mulher cética quanto à espiritualidade! Seria mesmo cética? Afinal, ela procurava por respostas. Respostas tão vagas quanto suas questões. Pareciam animais que ecoavam pelos cantos da cabeça de Luna.  Procurando por algo, por presas na cadeia alimentar. Lágrimas desciam a cascata do rosto de Luna tentando desaguar em algum rio e levar embora as dores imersas pela dor. O tato era quase imperceptível. Os dedos não emitiam a sensibilidade de outrora. Tentavam tatear a terra em busca de reconhecimento do espaço e encontraram as mãos de Zezé, mãos fortes, calejadas, carinhosas, negras como aquela noite e com a suavidade da brisa noturna. Luna não ouvia a voz de Zezé, mas conseguia ver seu riso lindo de deusa africana e que estava ali. Um sentimento de contentamento reagiu no sangue de Luna  e pulsou tanto que se libertou para fora do coração. Era um amor que não conseguiu se fixar naquele peito alvo. Amor pela vida. O sangue pintava os lábios de Luna como carmim forte e sem medo de demonstrar o ser humano que somos todos nós. A mata era também enfeitada de vermelho-sangue. O sol nasceu e parecia que o céu era quem refletia o sangue de Luna. Era a íris do céu que se tornava vermelho, forte e sem medo de demonstrar um corpo sem alma. 

segunda-feira, 17 de abril de 2017

MEU QUINTAL DE SONHOS | MICHELI LAVIOLA



Em meu vazio, encontrei pedaços espalhados de seres que gostaria de ser. Pedaços deixados pelas brincadeiras ao redor do quintal da casa dos meus pais. Estórias interessantes permeavam meu inconsciente infanto-juvenil. Queria ser a heroína com superpoderes. Enfrentava qualquer obstáculo. Tinha o poder em minha cabeça. Mesmo as personagens sem superpoderes eram grandes naquilo que iam fazer: eram superadoras de conflitos humanos. Ninguém podia com elas. Estudavam qualquer coisa: inglês, francês, espanhol, japonês e mandarim; engenharia; dança; canto. Surpreendiam qualquer pessoa que quisesse submetê-las a palavras de derrotismo. O mundo em meu quintal era único, mágico. Poderosa em mente, poderosa em vida. Queria ser tudo. Queria ser o mundo. Viajar sem rumo. Aprender. Conhecer. Sentir. Escrever... Não havia percebido que as palavras estavam espalhadas dentro de mim. Não imaginava que escrever era o meu sonho vivido em um quintal na periferia do Rio de Janeiro. Juntei cada palavra e senti a mim mesma como se me reconhecesse. Ah, as brincadeiras eram as palavras se divertindo naquele lugar todo especial! A lua foi por diversas vezes uma parceira em minhas estórias. Ela abrilhantava aquele lugar escuro e dava o tom ideal para muitas risadas e aventuras. Quantas vezes quis ir à lua! Admirava cada detalhe dela! Via os aviões com suas luzes piscando para mim em um sinal de vida além das nuvens, de histórias a serem contadas. Imaginava cada passageiro que estivesse ali; o que fariam; o seu destino. A lua me salvou. O quintal me salvou. Estou viajando agora. Estou tocando a lua, finalmente.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Contos da Natureza | Micheli Laviola




       No cais,  vejo as ondas em frenético movimento ao contato com a brisa, formando-se uma película que treme ao hálito frio do vento.
   Embarcações navegam sem rumo aparente,  atravessando a linha do horizonte,  unindo-se a essa linha para um sonho de liberdade.
     Sol tem o poder de atravessar a linha mágica, com o fervor de sua onipotência e a sabedoria do recolhimento ao mar.
    Quando o dia envelhece,  nasce a lua de prata com sua luminosidade alva e sem viço do sol.
   Lua abraça poemas e músicas transpassando sentimentos. Ela não envelhece.  Simplesmente, espelha sua beleza nas águas do mar e se apaixona pelas profundezas oceânicas.  Lua imerge para o amor, esquecendo- se das estrelas costuradas no manto negro dos céus.

sexta-feira, 17 de março de 2017

FLOR DE MINHA PELE | MICHELI LAVIOLA



A flor de minha pele tem raízes expostas pela minha dor sem sombras.Criou-se a folha transpirante de minhas angústias exaladas para a atmosfera, que fará a mutação em água das chuvas para limpar as feridas teimosas em não cicatrizar.
E, assim, a flor de minha pele se arrepia com a brisa de um hálito refrescante advindo da força divina do amor.
As pétalas caem, enquanto outras nascem nessa minha pele de emoções férteis.
Orvalho suando as minhas pétalas e o meu caule até atingir a terra outrora seca. Por conseguinte, regam-se as minhas raízes fincadas na pele, contagiando os sentidos e regando minhas ilusões cutâneas.

 


terça-feira, 14 de março de 2017

SENTIMENTO FELINO | MICHELI LAVIOLA




     Meu gato espreguiçou- se, como de costume, no horário da novela. Provavelmente seria um programa sem fundamento para qualquer gatinho de três meses de idade. Aparentava uma sincronia entre um espreguiçamento felino e a fala da  personagem histérica. Servia-se de grande incentivadora de sonos do meu gato que contagiavam meus olhos e um bocejar incessante. Partia- se daqui o nado sincronizado do espreguiçamento felino,  de minha briga contra o cerramento dos olhos e dos bocejos constantes.

   Um olhar, mais atento ao trabalho de teia das aranhas, demonstrava a curiosidade  do filhote  em descobrir como um fio entrelaça- se com o outro, formando-se uma armadilha para os insetos que fossem invadir o território aracnídeo que se encontrava no canto superior à direita da parede.  Um local de difícil acesso às vassouras na remoção da obra de arte.
  Ainda alimentava- se com seu leite entregue carinhosamente por sua dona de rosto acinzentado.  Sua comida era acinzentada. A teia e a aranha eram acinzentadas. A atriz irritante da televisão também era acinzentada. Um mundo acinzentado.
  Mesmo tudo cinza,  abraçava- se à pantufa de coelhinho como se fosse um familiar que já não via há muito tempo.  Era um  abraço interminável até que dessem um petisco ou leite para se distrair e desistir de seu parente no enforcamento do abraço quase infinito. 
     Ele já ouviu ruídos semelhantes aos seus durante à noite. Parecia um chamado a uma vida nova e diferente daquelas paredes. Não há como os humanos entenderem a linguagem felina. Esta é tão misteriosa quanto o nosso linguajar para os bichanos. Não  compreendemos a comunicação de seus ruídos amorosos, de luta ou de ambos, embora possam extrair o sentimento advindo de uma frase ou de um olhar que dermos a eles.
    A simplicidade disso se perdeu da humanidade.  Entoamos nossa própria voz sem extrair o sentimento de um gesto ou de uma palavra do nosso semelhante.  Fatos são mais interessantes,  pois estão esvaziados de emoção. Não se analisam os fatos em várias dimensões,  mas, sim, na única dimensão de quem deseja ser único sem fazer com que o outro se sinta, algum dia, único também.

quarta-feira, 8 de março de 2017

NOSSAS MEMÓRIAS | MICHELI LAVIOLA


   Solicitei as memórias das mulheres que me precederam para reafirmar a minha consciência. Travei uma luta entre minha compreensão e o que me foi doutrinada. A moldagem foi apertando meus pensamentos que cresciam rapidamente com o passar dos anos.  Eles inflaram! Não quiseram retornar ao seu status quo. A fertilidade das ideias sustentadas por uma série de mulheres fez germinar as minhas próprias ideias. Essa luta nunca foi apenas minha. Mulheres, em suas respectivas épocas, criaram suas formas de combater as injustiças a que eram submetidas.
     Sempre houve resistência por menor que fosse! A história, entretanto, não faz tanta questão em difundir a realidade como um todo. Há parcialidade na verdade contada. Histórias são contadas da forma como convém uma sociedade machista e que tem medo de perder a sua masculinidade por admitir que uma mulher fez algo melhor do que muitos homens.  Isso lhe lembra algo, caro leitor?
   As memórias femininas foram massacradas pela história dos livros com poucas páginas e breves citações. Estamos paralisadas na memória atual. Quem irá contar a nossa história de luta? Somos mais fortes do que possamos imaginar. Reunir nossa memória é reunir a nossa própria consciência! Somos mais do que corpos para entreter o público masculino! Somos a singularidade em tudo o que acreditarmos e fizermos!!

terça-feira, 7 de março de 2017

REFLEXÕES FEMININAS | MICHELI LAVIOLA



             

Até meus quinze ou dezesseis anos de idade, acreditava que a vida era orquestrada por uma cadeia de ideias como nascer, crescer, estudar, formar-se na universidade, trabalhar, constituir família, encontrando o homem idealizado. E ponto final!
     Os garranchos das letras da vida demonstraram o quanto que essa ordem utópica não passava de arquétipos transferidos pela família, amigos e religião. Alguns fatos ocorreram comigo: nasci, cresci, estudei, concluí a graduação em Direito, trabalhei...
     Quanto a conhecer o homem perfeito, ainda este reside no mundo das ideias de Platão. Pode ser que algum dia ele venha em um carro branco popular, mas ainda está vagando nesse mundo nada perfeito ou ainda irá nascer. Outra hipótese é de ele nunca existir. Seria o fim dos meus projetos da adolescência?! Projetos internalizados por uma sociedade que orienta ser a mulher o centro de tudo, todavia esta não pode agir por diversas vezes com medo de ser massacrada pela opinião pública. Uns diriam: - Mulher precisa estar em casa com os filhos, mas precisa trabalhar desde que não seja trabalho que requer uma concentração e/ou dedicação maior, pois não poderia estar presente na educação dos filhos.
   Todas as profissões passaram por momentos delicados quando uma mulher ousava querer exercê-las. Mulheres machistas já existiam muito antes do nascimento de minha avó. Ditar regras de como se vestir, como se sentar, como falar, como olhar e, o mais importante: como pensar. Seriam essas mulheres as semeadoras do machismo desenfreado em muitos homens? Talvez sim. Acredito que temos o poder de modificar muitas coisas, inclusive em educar as nossas filhas e, principalmente, os nossos filhos que farão parte do clã dos homens.
   Retornando à questão da ditadura machista imposta às mulheres, a história demonstrou o quanto a mulher era tratada como objeto. Isso parece permanecer no mundo atual a partir de movimentos na música dita “popular” como o funk brasileiro, entre outros gêneros musicais de gosto duvidoso. As pessoas se entregam à batida da música e se esquecem da letra que é a transmissora de uma ideia, de uma cultura...
      Eu continuo estudando, envelhecendo, pensando ... Tudo o que vier depois será uma mera consequência da vida e não uma imposição da sociedade. Penso, logo existo, vivo, crio, reinvento, sou mulher de fibra, sou a minha única originalidade sem pirataria!



sexta-feira, 3 de março de 2017

POR UMA MÚSICA | MICHELI LAVIOLA



O salão estava cheio com senhoras e senhores da mais alta sociedade carioca. Uma mulher de cabelos ondulados e negros, de pele alva e olhos iluminados pelo azul do céu olhava a tudo a seu redor, mas a mente tem aquelas artimanhas de transcender o corpo e ir aonde quiser. A mente dela estava na adolescência quando aprendia violino com a sua avó no salão de música. Caro leitor, você precisava ver o quanto a avó era elegante em seus 40 anos de idade. Era formosa, com roupas francesas e sapatos italianos: heranças da época em que era uma musicista reconhecida internacionalmente. Era uma passada de tons e músicas com o aprendizado de tango Por una Cabeza, de Gardel. A sonoridade da canção com os passos eram um casamento perfeito. O sorriso da mestra ensinando a sua pupila era um apaziguador de almas ao mesmo tempo que entregava a paixão às artes.  A neta não pôde ver a sua avó mais vezes. Acidentes além do palco sufocaram a música e os sonhos da jovem.
    Retornando ao salão de festas, a mulher, que estava embriagada com a mesma música que tocara com sua avó, acariciou um violino deixado em uma mesa. Parecia um magnetismo. A mulher acariciou-o novamente como se pedisse licença ao instrumento. Tocou a canção de Gardel e dançava juntamente como se não existisse mais nada do que aquele momento. Passos nasceram com a música. Lágrimas banharam seu rosto e sua alma como se libertasse de sua dor. Dançava pelo salão. Subia a mesa dançando e tocando, criando-se um laço entre seus expectadores e a arte. A plateia não conseguia conversar. As palavras sumiram. A música falou por todos daquele salão. Após o último acorde e passo de dança, a alma da mulher estava curada! 

quarta-feira, 1 de março de 2017

TRADUÇÃO | MICHELI LAVIOLA



Segui o meu destino com a ponta do lápis sendo a espada de minha língua. Houve a tradução da consciência para a grafia em uma simbologia diferente, com caracteres próprios do meu ser sem cópia. Vivi escondida de mim. Não queria me ver. Até que, em um relance casual, vi minhas palavras perdidas na gaveta poída pelo tempo. Li minhas sobras em cada linha. Eu vi uma parte de mim. É possível se ver totalmente? Difícil questão. Ser ou não ser ou um pouco de cada? Eis a dúvida! Juntei aquelas sobras. Montei cada pedacinho e fui construindo um ser de bom trato, com sorriso maroto e cheio de ternura. Pude ver a parte que estava amassada no papel onde se encontravam minhas palavras antes perdidas e agora relembradas. Seria bom se pudéssemos achar uma gaveta poída com pedaços de nossas almas por aí...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

TEZ NEGRA | MICHELI LAVIOLA




A tez, negra e repousante da noite,  reavivou meu metabolismo humano. Não possuo a olho nu essa bela cor de ancestrais imponentes e redentores de sabedoria. É preciso olhar a minha árvore genealógica sanguínea e investigar a melanina que se encontra oculta por entre os meus genes. Sei que se encontra em algum lugar: está na minha genealogia da alma. Sou negra de alma! Negra da noite; negra da pele de pantera; negra da pérola rara; amo o samba de raiz negra! Sou toda negra! Que bênção! 

Alma negra nasceu liberta! Alma dos grandes guerreiros africanos que lutaram até o fim de sua geração. A minha alma é toda negra e sem correntes. Guerreiros nascem sem grilhões! Não há grilhões de ferro no ventre materno! Há alma feita de cordão umbilical que protege e, por amar, deixa que os pulmões do rebento guerreiro tomem a propulsão da vida!

Nascemos livres de corpo e de alma! Viva minha alma negra!!!

sábado, 18 de fevereiro de 2017

CARNAVAL | MICHELI LAVIOLA



  As noites cariocas regadas de champanhe, serpentinas e confetes relembram a época áurea da década de 1920. O momento era único. As cores das fantasias e das peles se harmonizavam, formando-se uma única cor de alegria pelas ruas fluminenses. As marchinhas eram entoadas como hinos nacionais sem o formalismo patriótico das escolas e das Forças Armadas.
   As marchinhas continuavam a tocar. Outras foram censuradas. A censura, entretanto, teimava em seduzir os ouvidos que percorriam pelas ruas do Centro da Cidade. Nas noites proibidas, a censura era anistiada pela voz do povo que se perpetuava pelas consciências e não pelas leis.

   Um pierrot dançou, cantou, amou ...uma colombina que dançou, cantou, amou... um  arlequim que  dançou, cantou e não amou. Ciclos quebrados. E a noite carioca se multiplicou pelas ruas, pelos bairros, por outras cidades... 
   O amor nasceu em alguns corações, em outros foi passageiro como o bloco nas ruas; já para outros, nunca existiu, mas, mesmo assim, os hinos do batuque africano-carioca se imortalizaram pelos foliões. Eis o mistério carnavalesco! Unem-se pessoas, histórias, vidas em pequenos momentos e todos se tornam uma única história no fragmento do tempo.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

INEXISTÊNCIA| Micheli Laviola



Não saberia ter a inteligência dos monges
Nem a liberdade das asas de um pássaro em pleno voo. Não encarnei nessas vidas.

Estou na vida de uma mulher que teima em descobrir o sentido de sua inexistência.
Por que eu não existo?

Se eu não existisse, ninguém teria o prazer de ouvir minha bela voz, de contemplar meus olhos brilhantes como o reflexo lunar nas águas marinhas, alimentar- se de meu sorriso apimentado de prazer e contagiar-se com minha alegria temperada pelas palavras de amor.

Meu ardor de mulher é um ensinamento de ser única em meio a multidão. É ser sábia de si mesma. Sem autorização para ser eu.

Sou única posto
Que sou chama e ardo,
Mas não machuco
E, sim, incendeio as veias pulsantes!

Como seria se não conhecessem a cor dos meus cabelos bronzeados pelo sol e ondulados pelas ondas do mar? Sofreriam mais que torcedor perdendo a Copa do Mundo!

Sou única
Posto que estou aqui
Por mais motivos
Que, até o último dia de minha respiração,
Saberei contar ao meu próprio ser.

Decerto que minha inexistência seria um Pecado!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

ÍCARO SONHADOR | Micheli Laviola

           
           
A luz transpassava as penas de uma das asas que se estendia contra o sol em um momento de apreciação ao olhá-la. Ícaro admirava a sensação de ser livre com esse ritual antes de abrir suas asas com dedos maiores que os seus terrestres. Cada detalhe das asas era um recado a Zeus de que poderia ser o que quisesse. O sonho era belo, inovador, mágico...
            O bater das asas jorrava ventos por todos os lados. Era um novo ser. Balançava folhas, galhos, árvores, seres menores, com a ventania das asas até que Ícaro correu o mais rápido que pôde naquela montanha e se jogou ao abismo de céus infinitos. Caiu. Bateram as asas com mais avidez. E o voo foi um suspiro de alívio e contentamento. Ícaro voou por toda a Grécia. Muitos imaginaram ser Eros. Outros, um novo filho de Hera. Ícaro continuava a voar sem preocupações. Era, finalmente, livre da terra que o puxava para a gravidade sem deixá-lo voar como seus irmãos pássaros.
         A liberdade era vista de todo o Olimpo. Alguns deuses contemplavam a inteligência do humano. Outros, diziam ser uma afronta aos desígnios de Zeus. O que importava a opinião divina naquele momento? Para Ícaro, nada. Voava cada vez mais alto. Suas asas começaram a derreter. Ícaro caiu. E um vento soprou devagar, com benevolência, levando aquele homem ao mar. Ícaro perdeu suas asas de cera. A natureza amou as “asas humanas”. Ícaro sobreviveu. E o sonho da liberdade tornou-se imortal.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

REAL | Micheli Laviola

           
           
Começar de novo é sempre um parágrafo iniciado com direito a vírgulas para uma leve parada em cada suspiro e transpiração da vida. Ler sem pontuação não transmite as dores, os amores, as raivas, os sentimentos e pensamentos. Tudo se torna obscuro. Não há entendimento.
           
           
Uma exclamação para uma surpresa, para uma alegria que contagia o leitor na jornada das letras. Uma interrogação faz a massa encefálica criar novas conexões entre os neurotransmissores. Os parênteses explicam uma palavra com difícil compreensão, abrindo-se novos horizontes na semântica do vocabulário do ilustre leitor.
           
           
As linhas de um cenário, descrevendo onde se encontram cada objeto ou pessoa em determinado lugar, transportam o “ser leitor” ao próprio lugar. Torna-se um lugar real, com situações reais e com um leitor real.
           
           
Um dia sonhei que minhas palavras, somadas com a pontuação que lhe dão vida , tornavam-se reais para leitores reais. Eu me senti real. Sonhos são lindos, mas sonhos reais são sublimes.
           
           
Meu interior possui portas com adereços entalhados pelos artesãos de grande sensibilidade. São portas antigas, mas fortes e atemporais. Criadas em minha alma a partir de meu nascimento mundano. Nasci, estou crescendo, não envelheço, não há envelhecimento para as almas reais.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

REDEMOINHO | Micheli Laviola

           
           
Sonhei que estava em meio a um redemoinho de palavras que me confundiam com a sua linguagem confusa,  turva, vertiginosa. O olho do redemoinho inclinava-se para o céu com uma pequena fresta de luz, onde se podia ver um rasgo do azul celestial. Tentei me amparar nesse miolo de salvação. A tormenta persistia em me engolir com seus ventos da  ignorância, da intolerância,  do ódio, das palavras inexpressiva e sem poesia. Algumas vezes pedaços de mim foram arrancados e levados pelas rajadas eólicas. Até que, finalmente,  consegui que aquela luz saída do olho do redemoinho fosse mais intenso e brilhante, diminuindo, por um milagre, as rajadas violentas daquele furacão de palavras turvas. 
           
           
Com isso, os ventos foram mais dóceis e com uma linguagem harmônica com a semântica e a sintaxe. Trouxe o frescor do tom poético  alimentando o meu vocabulário outrora profano.  Eu me senti santificada com a luz que agora abençoava as palavras saídas de minha boca para  transmitir poesia aos necessitados de amor e de arte na alma.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O MENINO DOS PÉS SUJOS | Micheli Laviola

           
           
Eu me entristeci olhando aqueles pés descalços, unhas sujas e cortadas de forma assimétrica. Estavam ásperos e um deles tentava retirar a sujeira incrustada no outro pé. Era inútil. A falta d’água por meses, naquele vilarejo do sertão cearense, impedia a concretização do intento.
           
           
Mesmo naquela situação dos pobres pés, o dono destes encontrou um punhado de água barrenta no quintal seco de sua casa de pau a pique. Um sorriso escandaloso de alegria espalhou-se mais rápido do que pólvora acesa. Os pés de todos os familiares pulavam em meio àquela terra seca. As poeiras voavam felizes! A água era pouca. Cada um, que morava naquela casa, bebeu em pequenos goles aquela água barrenta. Era como se a água tivesse abençoado a terra através da mistura dos elementos (terra e água).
           
           
Eu, um forasteiro, que estava de passagem e já sem água, experimentei por horas o que aqueles pés passaram por anos. O menino dos pés (descobridor do punhado de água abençoada) apresentou-me o pouco que havia restado da água após ter distribuído para seus familiares. Fiquei atônito. Não esperava que sobrasse algo. Era tão pouca água e tantos sedentos...
           
           
Aquele gesto fez nascer água de meus olhos: outra bênção que uniu os elementos da natureza com o amor. Não tive outra reação a não ser me banhar daquele líquido abençoado. Caso me negasse, seria um sacrilégio para aqueles pés sujos, mas puros de espírito.


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

RIO AZUL | Micheli Laviola

           
           
Mergulhei em direção ao fundo de um rio. E fiquei de pé lá embaixo com os cabelos navegando por entre as correntezas e abrindo uma juba ao redor de minha cabeça ou querendo imitar os raios solares . Inerte continuei observando a vida no rio, até que minha musculatura respiratória teimava em expelir o ar de meus pulmões. Insisti em permanecer nas profundezas azuis do rio. A luta era inevitável entre o corpo e a alma. A alma ansiava pelo azul da tranquilidade eterna. A paz era sedutora como as sereias cantando para os marinheiros. Entretanto, o corpo teve vida própria e diferente do consciente: subiu em busca do oxigênio dos céus. Ao encontrar o sol queimando a face e a brisa acariciando os poros da pele, chorei ao ponto de inundar meu coração com as águas azuis do rio e descobri que já possuo o meu rio de paz eterna dentro de mim.