sábado, 27 de maio de 2017

ÍRIS| MICHELI LAVIOLA



O céu predizia bons ventos naquela primavera de 2016. Havia pássaros que rodeavam por toda a parte com plumagens exuberantes colorindo o céu de íris azul. Esse cenário refletia-se na íris de Luna, assim como os raios solares iluminam a lua. A paisagem fixada na lente ocular de Luna era uma fotografia com vida, repetindo-se o caminhar das nuvens e dos pássaros, embora não fossem as mesmas nuvens e nem os mesmos pássaros. A estática do olhar impedia a diferenciação. Luna se sentia naquele espaço junto com os ares inspiradores da liberdade sem medida, liberdade que não se classifica em dicionários no mundo dos animais silvestres.  O voo era uníssono com o bando de araras azuis. Animais tão raros. Ela se sentiu rara. Ela fazia parte de algo. O oxigênio era escasso nessas alturas. Luna sentiu a escassez do oxigênio. Aqui percebeu que não era um pássaro e retornou a sua contemplação ocular. A imagem do céu refletia no castanho imerso de Luna. O olhar vagarosamente inclinava aos lados e via crianças brincando com a terra úmida. Risadas eram envolvidas em meio àquela sensação de alegria com cheiro de terra molhada. Uma vertigem percorreu o corpo de Luna e tudo se confundia. As crianças sumiram com a poeira levantada por uma ventania, trazendo bolo de fubá com café quentinho de sua madrinha Sinhá. A sensação do doce na boca gerava uma endorfina pela pulsação sanguínea de Luna. Ela abria a boca tentando morder o pedaço de bolo, enquanto as águas da chuva alimentavam a sensação. O pai entrava pela sala ralhando com a menina dizendo que não era a hora de comer bolo. O bolo era somente após o almoço. O jornal era mais estático que o céu. As mãos retorciam o jornal em busca de respostas. Palavras soltas sobre baixa na Bolsa de Valores eram intensas, incompreensíveis e insistentes. Não se falava em outra coisa sendo trovões que se refletiam no céu. Dores de cabeça eram intensas, incompreensíveis e insistentes. Nada acalmava as enxaquecas lunares naquela noite. Estava tão escuro o céu quanto a mente de Luna. Confusões e mais confusões. As estrelas pareciam dizer que havia esperança. E da esperança nasceu o dia que resolveu viajar em busca de respostas para suas dúvidas, em busca de conhecimento para sua vida. Dizem que basta ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro.  Luna se lembrou do bonsai que plantou (embora seja um tipo de miniatura de árvore e não desmerecendo o retorno de bons fluidos por aquilo que faz de forma proporcional ao tamanho do espécime). Filhos, não teve tempo de tê-los. Livro era como se fosse dois itens em um: filho e o livro propriamente dito. As lembranças, brilhantes como aquela estrela que insistia em brilhar mais do que todas, das pessoas com que teve os ensinamentos sobre a divindade traziam um aspecto de tranquilidade sobrenatural. O que é a divindade? Um monge, em um desses lugares aparentemente esquecidos pela humanidade, demonstrou que o divino mora em todas as coisas e em toda a humanidade. Luna pensou: - Logo eu?! Uma mulher cética quanto à espiritualidade! Seria mesmo cética? Afinal, ela procurava por respostas. Respostas tão vagas quanto suas questões. Pareciam animais que ecoavam pelos cantos da cabeça de Luna.  Procurando por algo, por presas na cadeia alimentar. Lágrimas desciam a cascata do rosto de Luna tentando desaguar em algum rio e levar embora as dores imersas pela dor. O tato era quase imperceptível. Os dedos não emitiam a sensibilidade de outrora. Tentavam tatear a terra em busca de reconhecimento do espaço e encontraram as mãos de Zezé, mãos fortes, calejadas, carinhosas, negras como aquela noite e com a suavidade da brisa noturna. Luna não ouvia a voz de Zezé, mas conseguia ver seu riso lindo de deusa africana e que estava ali. Um sentimento de contentamento reagiu no sangue de Luna  e pulsou tanto que se libertou para fora do coração. Era um amor que não conseguiu se fixar naquele peito alvo. Amor pela vida. O sangue pintava os lábios de Luna como carmim forte e sem medo de demonstrar o ser humano que somos todos nós. A mata era também enfeitada de vermelho-sangue. O sol nasceu e parecia que o céu era quem refletia o sangue de Luna. Era a íris do céu que se tornava vermelho, forte e sem medo de demonstrar um corpo sem alma.